sexta-feira, 19 de março de 2010

O presidente operário.

Os intelectuais de direita, centro ou esquerda ficam incomodados. Como pode , um simples torneiro mecânico ser honrado com o título de "Homem do Ano" pelo conceituadíssimo jornal francês Le Monde, eleito pelos Delegados de Davos como "O Cidadão do Mundo", ter , em fim de mandato, conservado os mesmos percentuais do início e meio, 80% de entre ótimo e bom nas pesquisas de opinião até de jornais hostis? Quem duvida que, houvesse um terceiro mandato - e isto já houve até nos Estados Unidos da América- ele seria reeleito no primeiro turno? Agora acusam-no de querer transferir a sua popularidade para a candidata de sua confiança Dilma Roussef. Mas, é legítimo e é ético! Ele tem o direito de ter sua candidata. Se fosse um mau governante como , por exemplo, o seu antecessor, o apoio dele exerceria efeito devastador. Ele vem e diz:" tudo o que fiz devo à Dilma Roussef!" E é verdade. Ninguém, no governo, nega a competência extraordinária que ela tem. Podem torcer o nariz por ela ser mulher. Ora, este machismo já era! Dilma precisa ser presidente para dar continuidade a este excelente governo que termina. A opinião não é minha, é do povo brasileiro. Nunca vi uma oposição tão desanimada. O candidato do governo se apoiará nas realizações deste governo. E são inúmeras. E fenomenais! Irrigar o nordeste: que sonho maravilhoso que se concretiza. Adeus Indústria da Seca!Não mais veremos políticos sem escrúpulos ganhando muito dinheiro às custas da morte por inanição, sede, falta de trabalho, fome, de milhões de nordestinos. Não mais veremos paus-de-arara tão tristes levando figuras esquálidas para uma tentativa de sobrevivência na cidade grande do sul. Sem saida,iam para as favelas, cercando os edifícios de luxo com um espetáculo deprimente de miséria extrema. Fez a Ferrovia Norte-Sul. Agora o que os nortistas produzirem chegarão fácilmente aos ricos mercados do sul. Incentivou o transporte fluvial. Navios, que antes eram "gaiola", hoje são mercantes. Quando entrou , o Brasil estava quase ficando auto-suficiente. Hoje é, e ainda exporta petróleo. Breve, com o pré-sal, fará parte da OPEP. O governo Lula acreditou e investiu. Duvidaram. Hoje, ninguém duvida mais.Todos os governos estaduais, de todos os partidos, querem agora uma fatia generosa deste formidável bolo. E eu sou do tempo em que, com nossas faixas onde se lia "o petróleo é nosso", corríamos da polícia acusados de comunistas agitadores. Com 70 anos, eu vivi o Brasil de várias fases. Vivi os "Tempos Dourados" de JK, depois a noite tenebrosa da ditadura militar que durou 22 anos, a "Nova República" lutando para vencer um inflação terrível herdada da ditadura militar. Tentaram de tudo até que um mineiro, sem muito alarde, Itamar Franco, implantou o Plano Real que pôs o Brasil nos eixos. Veio FHC, de Collor nem é bom falar, e resolveu sucatear o patrimônio nacional. Deixou o país em situação muito difícil. Vislumbrávamos mais um período de inflação galopante. Lula foi eleito. Muitos capitalistas ameaçaram abandonar o país. Afinal, era a esquerda , com uma votação histórica , que chegava ao poder pela vontade democrática do povo. Lula convidou o Ministro Meirellles para o Bco.Central e ele era o ex-Presidente do Banco de Boston. Isto tranqulizou um pouco os capitalistas. Com a ajuda dos seus amigos da esquerda, muitos ex-exilados ou prisioneiros da ditadura, implantou um governo de Bolsas. Foi bolsa e comida de graça para todos os famintos do Brasil. A oposição apostou que ele ia quebrar o país. Investiu pesado na criação de novas escolas de tempo integral. Em hospitais, infraextrutura em todos os níveis, abriu os cofres e disse"quem quiser dinheiro para implantar indústrias, comércio, lavouras, pecuárias, vai ter a juro simbólico". Resultado, tudo no Brasil aumentou sensacionalmente. As escolas voltaram a ter alunos porque o Bolsa Família só é pago se a criança da casa estiver estudando. Os prefeitos foram agraciados com verbas para condução das crianças em zona rural. Luz elétrica. privilégio de poucos. Hoje quase todas as casas Brasil tem energia. Só não tem quem não quer.Telefonia. Luxo antigamente. Hoje um matuto fala com o mundo de sua choupana.Se ele tiver um filho na Austrália a serviço fala com ele e barato. E com perfeição via satélite. Os avanços tecnológicos do mundo, que dificilmente chegavam até nós, chegam rapidamente. O Brasil ainda não é um paraiso. Há muito o que fazer. Mas, comparado com o Brasil do meu tempo de jovem, que diferença! Hoje, só fica desempregado quem quer. Se tiver uma qualificação profissional e for bom de serviço está sendo disputado pelo mercado em ascenção. E vejam que saimos de uma crise sem sentir o seu efeito. O mercado interno segurou a economia nacional. Quase nenhum empresário quebrou por aqui. As vendas cresceram na crise! Emprestamos dinheiro para o FMI! Na minha juventude sai as ruas gritando:"fora FMI!!!" Hoje grita-se o contrário, afinal eles devem 5 bilhões de dólares ao Brasil. O Brasil, que no governo FHC, comprou caro navios cargueiros para a Petrobrás além de plataformas também caras, hoje exporta. O governo investe na duplificação de rodovias. Antes, não era tão necessário. O Brasil de hoje exige rodovias modernas. Que pena estar no fim da vida. Gostaria de ter hoje uns 40 anos. Quem tem verá um Brasil potência. Entre as maiores do planeta.

domingo, 14 de março de 2010

Dima Roussef, futura presidente.

Quando veio o golpe militar em 1964, as instituições democráticas brasileiras, ainda tão recentes, foram violentamente destruidas. Os sonhos dos brasileiros, especialmente os mais jovens,pareciam impossíveis. Isto causou um sentimento de revolta muito grande. Alguns , mais exaltados, queriam a resistência armada. Talvez acreditassem que a China ou a URSS apoiaria os seus esforços com logístitca. Cuba incentivou. Mesmo que desse errado , que tinham a perder? Qualquer demonstração de insatisfação contra os EUA, país considerado imperialista, seria benvindo, mesmo que fracassado. Havia outro grupo, do qual eu fazia parte, que acreditava na resistência pacífica, nos moldes de Ghandi. Nosso grupo não via apoio por parte da população . A maioria muito ignorante, especialmente os do campo. Mas, o sucesso de Mao na China animava os guerrilheiros urbanos e rurais. A resistência no Vietnam também era motivo de estímulo para os belicistas. Nós achávamos que uma resistência armada fortaleceria a ditadura dando-lhes o motivo para endurecer e continuar no poder mais forte ainda. Estávamos em Guerra Fria. A um passo da última guerra mundial. EUA e URSS poderiam destruir o mundo 40 vezes. Não se arricaria , a URSS, de intervir diretamente numa revolução socialista no Brasil. A China avançava, mas tinha dois inimigos poderosos: os americanos e os soviéticos. Ambos estavam com muito medo do progresso militar da China.Afinal, na época com 1 bilhão de habitantes (hoje mais de 1, 5 bilhões), todos achavam que a guerra seria a única saida da China para a sobrevivência. Pode ser que pensassem assim alguns milhões de chineses, outros milhões não queriam a guerra mundial. Os EUA, depois do episódio dos foguetes atômicos em Cuba que, se disparados destruiriam , se não todo, uma grande parte do seu país, tratou de se aproximar de Kruschev, primeiro-ministro soviético, e firmou acordos de relacionamento até então negados. Kennedy, presidente americano, foi o autor desta façanha e pagou com a vida por isto. A direita americana queria a guerra para extirpar, de uma vez por todas, a URSS. O mundo, após a morte de Kennedy, ficou à beira do abismo . Foi quando aconteceu o golpe no Brasil. Os EUA não queriam perder a América Latina, pelo seu valor extratérgico militar e por suas reservas minerais. Especialmente o Brasil. Disse um presidente americano:" para onde pender o Brasil, penderá toda a América Latina." Por isto, achávamos , nós resistentes pacifistas, que teríamos que enfrentar a direita brasileira e o potencial bélico americano, sem a mínima ajuda dos nossos "aliados". Diziamos: "vamos para a rua. Levemos o povo em protesto. Sem balbúrdia. Sem bagunça. Com ordem e disciplina tal como fez Ghandi. Sem o povo nenhum governo governa. Tudo para. Todo poder emana do povo e somente por ele será exercido." Alguns acataram a idéia. Outros partiram para o confronto armado quixotesco. Entre estes companheiros, Dilma Roussef. Era uma brilhante aluna do curso superior aos 19 anos. Com esta idade queremos ser mártires. Se nos chamam para morrer pela pátria, vamos. Eu já tinha mais de 26 anos quando a guerrilha começou a atuar. Se eu tivesse 19, como a Dilma, talvez teria aderido à luta armada. Mais pelo seu romantismo. Che Guevara era o herói de todos nós. Ele, nos seus livros, conclamava a revolução que Trotsky pregou no seu internacionalismo revolucionário. Acreditava-se que, se o Brasil se insurgisse, também se insurgeriam os demais povos da América Latina. Talvez fosse verdade. Mas, não tínhamos condições para isto. Dilma pertenceu a um grupo que era liderado pelo ex-deputado comunista Carlos Marighela. Assaltaram alguns bancos, houve tiroteio com a morte de pessoas inocentes, além de policiais e guerrilheiros. Isto fez radicalizar a ditadura. E consolidou-a também. Dilma foi presa. Passou quatro anos na prisão. Quem caia nas mãos dos agentes do DOPS, polícia política, vivia , se não morria, horríveis momentos. A tortura mais cruel era praticada com inocentes. Estes sofriam mais porque nada tinham para dizer. O livro "Tortura Nunca Mais", que tem o prefácio de D.Paulo Evaristo Arns, conta narrativas de torturados assombrosas. Fala de crianças que foram maltratadas e seviciadas diante de pais para contarem coisas que não sabiam. Don Mitrione, um agente da CIA, veio trazer ao Brasil, e ensinar como usá-la, uma máquina de choques para serem aplicados nos órgãos genitais de homens e mulheres molhados. Este canalha chegou a ter uma rua com o seu nome em Belo Horizonte, homenagem do governo municipal nomeado pela ditadura. Contam que o sofrimento provocado por esta máquina é indescritível. Os nazistas não a usaram. É criação de Don Mitrione.
Agora Dima se desponta como a mais eficiente ministra do governo Lula. Este governo que tem 80% de aprovação popular, eleito pelo "Le Monde" como "O Homem do Ano", pelos delegados de Davos, "Cidadão do Mundo" e elogiado publicamente pelo presidente Obama , dos EUA. Dilma é a candidata de Lula. Ainda escreverei o que ela já fez, no governo, pelo Brasil. Fez muito. Será preciso um capítulo à parte. Estou idoso. Tenho 71 incompletos. Não sei se verei o fim do governo dela. Estou confiante que verei o início. Mas, pelo amor que eu tenho ao Brasil, espero que as futuras gerações usufruam de um pais forte, progressista, sem corrupção.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tempos de tristezas e alegrias

Quando o selecionado brasileiro de futebol foi, finalmente, campeão do mundo em 1958, foi mais uma grande alegria que se somaria a muitas outras. Com o sorridente e popular presidente JK inaugurando obras e iniciando outras mais expetaculares ainda, o repertório da música popular enriquecido com a Bossa Nova, com a liberdade contageando a nação que passava a crer que não era uma "república de bananas", tal como os gringos nos chamavam, o Brasil parecia embaladado para o progresso inevitável. Era o Novo Brasil que surgia. JK , apesar da rebeldia de alguns militares que o Mal .Lott, exemplar Ministro da Guerra, dominou e puniu exemplarmente -depois o próprio Jk resolveu anistiá-los- pelas revoltas de Aeragarças e Jacareacanga, governou sem maiores preocupações. Agitou o Brasil. Acordou o gigante que dormia "em berço explêndido". Avançou 50 anos em cinco. Prometeu que, em seu retorno após a eleição de 1965, teríamos 50 anos de fartura. Seria a revolução pacífica do campo. Quem conhecia JK, o povo, sabia que ele não era de só prometer. Cumpria cada promessa religiosamente. Marcava dia e hora para a inauguração. Num Brasil quase primitivo, com uma infraextrutura muito pobre, o que conseguiu JK foi uma façanha memorável. E ainda teve sorte de ter a taça Jules Rimet, do futebol mundial, tão sonhada.No atletismo, Ademar Ferreira da Silva estipulava um novo récorde para o salto triplo que demoraria a ser superado, no tênis, Maria Ester Bueno era imbatível e detentora de títulos importantíssimos, no box , Eder Jofre levava um boxeur brasileiro, pela primeira vez ,ao título mundial de penas, depois galo.O centro-oeste brasileiro começava , afinal a ser ocupado por nós com a inauguração de Brasília. A música popular virou sucesso mundial com a Bossa-Nova, cantada por astros internacionais. Onde se olhava haviam homens trabalhando em rodovias, hidro-elétricas, fábricas de automóveis. Então apareceu um professor de português que parecia popular com os seus cabelos despenteados , gravata frouxa, caspas sobre o paletó. Conquistou São Paulo, capital e interior e depois o Brasil. A saida de JK por estar finalizando o seu mandato deixou um vácuo na política brasileira. Quem seria o seu substituto? Quem parecido com ele? Ninguém. Jânio teve então a atenção do povo. Fora eleito em São Paulo por partidos pequenos, sem expressão.Mostrou que era um bom administrador. Era honesto. Fazia, porém um discurso anticomunista. A UDN, único partido organizado em condições de enfrentar o PSD-PTB, ambos criados por Getúlio para abrigar os trabalhadores (PTB) e burguesia (PSD) sob a égide do getulismo e do trabalhismo. Os comunistas , colocados na ilegalidade pelo Gal. Dutra, presidente de 1946 a 1950- sob pressão da Igreja da época e dos EUA-foram para o PTB. JANGO, vice-presidente de JK, era o presidente do PTB. A UDN aproveitou para ligá-lo aos comunistas. Nunca foi. Estava mais para Peron do que para Lenin. Jânio aceitou o apoio da UDN pela sua extrutura. Ganhou as eleições para presidente e foi empossado por JK, junto com seu vice, Jango. Naquele tempo havia eleições para presidente e vice separados. E vejam só, ganharam dois candidatos com discursos opostos. Podia dar certo? Aparentemente não, mas Jânio tomou posse com um ministério quase todo indicado pela UDN. E começou surpreendente. Já na campnha tinha ido à Cuba e posou ao lado de Fidel e Guevara. Convidou e Guevara veio depressa atender ao convite de visitar o Brasil como chanceler de Cuba. Jânio condecorou-o como a um herói. Deu-lhe a Gran Cruz do Cruzeiro do Sul. E ainda colocou a guarda palaciana e os seus ministros a cumprimentá-lo. Animei-me. Sabia o que ele pretendia. o desalinhamento total do Brasil da guerra fria. Queria comerciar com quem quisesse ou pudesse.Quer comprar? Vendemos. Não importa a quem. Fiquei entusiasmado. Feliz pela escolha de Jânio. Não havia reeleição naquele tempo. Houvesse , JK seria reeleito com facilidade. O povo aguardaria 1965. Mesmpo porque, o Jânio , o homem da vassoura e da política externa independente e da interna reformista mostrou às elites econômicas que o apoiaram que não era o que pensavam. Foi um Deus nos acuda. Um cheiro forte de golpe pairava no ar. Jânio queria mais poderes. Não tinha a maioria no legislativo. Acreditou que suas atitudes mudariam tudo atraindo a esquerda e a direita progressista. O que o Chaves fez agora, na Venezuela, era , mais ou menos , o que ele queria. Tentou o golpe de De Gaule. Este, diante de uma França no caos polpitico, renunciou. Não havia francês confiável para o seu lugar. Foram atrás dele e ele voltou sob rígidas condições. Direita e esquerda francesas cederam e ele voltou forte. Jânio jogou. Perdeu. Renunciou antes de perder. Ou perdeu porque renunciou. A UDN conspirava através de Lacerda e militares para impedir que fizesse mais "loucuras". Ele não queria cabresto. Formou-se o impasse. Tentou o golpe. Falhou. O Brasil, em três anos após iria sofrer as consequências de tudo isto. Os militares que, através do voto só conseguiram vencer com Dutra-porque Getúlio o apoiou- viram que só pela força retornariam ao comando do país. Tivemos quatro anos de conspiração e em 1964 eles venceram. E ficaram 22 anos. Foi difícil para o Brasil.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A repressão

Quando o golpe militar se efetivou, caiu sobre a população brasileira, em especial a mineira, um sentimento de perda irreparável. Nós , mineiros, sofremos um pouco mais. Afinal, para o mundo, foi com nosso apoio que os militares tomaram o poder. Isto não foi, exatamente, verdade. Admito que os setores mais conservadores religiosdos e políticos saudaram a "revolução redentora" que iria acabar com a "ameaça comunista de tomada do poder". Os mais esclarecidos, mesmo entre estes,sabiam muito bem que isto era uma balela. O presidente Jango era cria do Getúlio. Este pode ter sido um populista, nunca um comunista . Teria escolhido Jango para ser o seu sucessor no estabelecimento da IDEOLOGIA TRABALHISTA. Tinha muito a ver com o justicialismo de Juan Domingo Peron. Os dois, muito a ver com Benito Mussolini. Até a CLT , dizem, é uma cópia da "Carta Del Lavoro" de inspiração fascista. Como poderia o latifundiário, abastado, querer implantar um sistema que iria contra os seus interesses particulares? O comunismo é revolucionário. O trabalhismo é reformista. Se alguém dissesse, na União Soviética de Stalin, que era um reformista... Teria que se haver com o Béria. Talvez este mandasse executá-lo bem devagarinho...Os esclarecidos, mesmo golpistas, sabiam disto. Mas, se o motivo agradava, para que mudá-lo? Na realidade pretendeu-se um governo com a disciplina dos quartéis. Porém, a política exige talento. A troculência é inimiga da política. Todos os regimes ditatoriais se deram muito mal. Se ainda existem, breve não existirão. Não têm futuro. A democracia socialista de Marx abomina a ditadura. Lenin a usou porque a Rússia estava destruida pelas guerras, material e moralmente. Para não sobrevir o caos, Lenin implantou um plano ecoômico, o NEP, e a ditadura do proletariado com data marcada para acabar. Seria em 1924, ou seja, teria cinco anos de duração.Depois, como ele bradou:todo o poder aos sovietes!O povo compunha os sovietes (comunas). O comunismo é o sistema mais democrático que existe. Acaba com todas as formas de opressão e entrega o poder para que o povo o exerça em toda a sua plenitude. É uma utopia? Talvez seja. Mas, acredito que, num futuro não muito distante não restará ao homem outra alternativa.Quanto ao ateismo marxista, eu diria que o tempo dele era bem diferente do de hoje. Havia uma igreja que dominava pelo terror. Era difícil crer na boa fé dos crentes. É aquela história: ou você está comigo ou está contra mim. Assim que se pensava. Hoje, tudo mudou, graças a Deus. Vejo muitas coincidências na pregação cristã e comunista. Tirando o misticismo são quase idênticos. Ou tirando o ateismo.
Assim ,comecei a pensar, quando a propaganda dos golpistas justicava a ditadura como necessária para destruir os comunistas. Como eu pertencia à JEC, JOC e frequentava a JUC, eu tinha noções básicas sobre o marxismo. Discutíamos as coincidências. E as divergências também. Não aderira ao partidão até então. Mas, a repressão estúpida e cruel me fez mergulhar nos livros e estudar, mais profundamente, esta ideologia. Ouvira oradores tidos como comunistas. Francisco Julião, defensor da reforma agrária, foi um que eu ouvi. Falava com uma técnica extraordinária. Ficávamos a ouví-lo por horas sem cançar. Antes do golpe eu ia ouvir também os mais ligados à religião. Ouvi o fascista Plinio Salgado. Sai tonto de dúvidas. Se o fascismo era tão execrável, como podia um homem tão inteligente e culto fazer parte dele?Lembro-me que ele falou sobre a história do Brasil. Durante cinco horas! Não percebi o passar das horas. Foi uma aula das mais impressionantes que já assisti. Noutra oportunidade fui ver o Santiago Dantas tido como de esquerda. Outro show. Que inteligência! Prestes , baixinho, não me agradou pela figura que eu julgava de um homem alto e forte. Mas, quando começava a discursar, crescia e parecia um gigante!Compreendi porque homens como Eduardo Gomes e Juarez Távora, além de outros iguais, seguiram-no como ao "cavaleiro da esperança" na famosa Coluna Prestes. Hoje não se ouve oradores como naquele tempo. Começava nas salas de aula. Os nossos professores eram artistas da palavra.Depois veio o silêncio das ditaduras.
Mas , esta minha admiração pelos oradores e o meu interesse em conhecer mais o marxismo custou-me um ótimo emprego.Trabalhava como vendedor na Cia. de Cigarros Souza Cruz e, conforme já contei, fui dispensado por causa de uma denúncia que poderia ter me custado também a vida. Quem escreveu a carta? A minha própria mãe. Eu já contei porque. Ela não permitiu que eu tivesse acesso aos telegramas que o Bco. do Brasil enviou me chamando para tomar posse como funcionário concursado. Por que me odiava tanto? Certa vez ela me disse que não sabia porque. Vários colegas da Souza Cruz foram presos, especialmente os do Sindicato dos Fumageiros.Eu também era sindicalizado. Não tinha cargo na diretoria. Por isto, escapei.
Sai de lá e fui à luta. Vendi vários produtos como autônomo. É aí que fui trabalhar em laboratório farmacêutico. Passei por uns dois até que fui chamado, depois de exaustivos testes, para trabalhar na PFIZER. Fiquei lá doze anos. Um bom tempo. Depois eu conto.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O golpe

Lembro-me que estava trabalhando, em hora de almoço, quando, voltando da pensão em que eu comia, vi que , na rua Tamoios, em BH, passavam caminhões do Exército cheios de soldados. Estes pareciam atônitos. Vi que estavam todos em silêncio e dava para perceber uma enorme preocupação. Olhei para as bancas de jornais e não vi nenhuma edição extra. As pessoas paravam vendo o desfile sombrio sem entender. Mas os soldados estavam equipados para a guerra. Havia um clima de golpe e só não sabíamos se Minas estaria a favor ou contra. O Governador Magalhães Pinto, poucos dias antes, declarara, ao lado de Jango, que Minas, berço da liberdade, seria contra qualquer tentativa de implantação de uma ditadura fosse de esquerda ou direita. Acreditamos porque a ditadura não serviria aos interesses dele, candidatíssimo à presidência em 1965. Só se o ditador fosse ele. Magalhães ditador? Não dava para crer. Porém, quando eu vi os soldados tive um pressentimento ruim. Se o movimento golpista houvesse partido do Rio de Janeiro ou São Paulo seria esperado. Mas, de Minas? O Estado que sempre se postou contra a tirania não poderia ser o artífice de uma. Sempre nos reuníamos para articular, pacíficamente, o apoio às reformas de base. Fazíamos comícios relâmpagos, trepados em caixas ou engradados, sem microfone, para divulgar as novas idéias. Nunca pregamos um revolução sangrenta. Sentíamo-nos protegidos pelo acesso ao poder das forças civis mais representativas do povo. As forças armadas, que víamos como heróis da luta contra o eixo fascista , não iriam transformar o Brasil numa ditadudura de direita.Se a ameaça se concretizasse , estávamos dispostos a morrer pela liberdade. Os generais Mourão Filho e Guedes foram hábeis ou precipitados na conspiração. Pegaram todos de surpresa até mesmo os seus aliados. Lembro-me do Governador Lacerda , cercado no Palácio do Governo do Rio, vociferando contra o que ele chamava de irresponsabilidade criminosa. No início, parecia que Jango iria sufocar o movimento rapidamente. O segundo exército estava indeciso, o terceiro parecia enfileirar-se , partindo do Rio Grande do Sul, ao lado do presidente. Brizolla, que havia , no comando da Rede da Legalidade, garantido a posse do cunhado, em 1964 era apenas um deputado federal. Candidato certo a presidente em 1965. Poderia estar tramando um golpe de esquerda? É verdade que ele e Magalhães teriam que vencer JK, o favorito absoluto. Mas, arriscar um golpe? Não acreditava. Pois foi o mineiro que conspirou e liderou o golpe. Como o bom-bocado não é para quem o faz e sim para quem o come, Magalhães ficou a ver navios. Quanto muito, lhe deram um Ministério sem força política ou militar. Um prêmio de consolação. Castelo Branco nos pareceu um personagem que surgiu das sombras e terminou nas trevas do anonimato. Parecia apenas o instrumento de um grupo que o usava para atingir objetivos ainda mais funestos. Serviu ao Brasil neste particular macabro. Não permitiu que a extrema direita chegasse ao poder. Circulavam listas de políticos e outras pessoas ligadas ao governo deposto, direta ou indiretamente , que seriam sumariamente executadas.. O expurgo atingiria a todos que preocupassem ao novo sistema, entre estes, estou certo , eu estaria. Não temi pela minha pessoa. Era solteiro. Nada tinha a perder. Estava pronto para entrar num grupo de resistência armada contra os golpistas. Com o passar do tempo, e com a fuga dos nossos líderes para o exterior, percebi que não teríamos sucesso. E que, também, favoreceríamos o recrudescimento da ditadura que se instalava. Passamos a pensar na possibilidade de uma resistência pacífica. Esta duraria anos. Eles não entregariam o poder facilmente. Tinham as armas e o apoio dos EUA. Estes, depois do susto que Fidel lhes deu com os foguetes atômicos, não estavam dispostos a contemporizar. Iam jogar sujo. Mandaram para cá vários especilistas da CIA em repressão científica, ou seja, tortura sofisticada. Houve um destes que serviu nas delegacias políticas de Minas. Dizem que foi ele que criou a maquininha elétrica. Fios descampados era ligados aos bicos dos seios das presas e ao tésticulos dos presos. Rodava-se uma manivelinha e o choque elétrico era insuportável. Quem passava perto destas delegacias ouvia o grito desesperado dos torturados. Eu fiz parte da JEC, JOC e ajudei à JUC. Eram grupos católicos , liderados pela nova igreja que surgiu após as enciclicas do Papa João XXIII. Os dominicanos eram os mais ativistas.O que queriam ? O comunismo ateu? Não. Queriam as reformas de base: bancária, agrária, estudantil, social, enfim as necessárias para um novo Brasil.Os cléricos conservadores os odiavam. Vários, denunciados por estes, foram presos e torturados. Se não houvesse a Anistia saberíamos hoje de coisas horríveis. Tem que ser irrestrita, disseram os próprios companheiros de esquerda. Eu sempre fui contra. Nada tenho para esconder. Mas, muitos que têm ficaram isentos da justa punição. Muitos amigos sumiram. Nunca mais os vi. É verdade que alguns foram para o exílio e não quiseram voltar. Porém, muitos não voltariam, mesmo que quisessem. Já não pertenciam ao mundo dos vivos. Morreram no exílio chorarando de saudade de sua pátria. Quantos foram parar no fundo do mar? Ou dos rios ?. Ou a sete palmos abaixo da terra? Eu, por estar com idade avançada, jamais saberei. Mas, os meus netos saberão de tudo que houve nos porões da ditadura. A nossa luta pacífica contra ela foi incansável. Não perdemos um só minuto . Durante o tempo todo, em 22 anos , resistimos. Usamos todosos recursos de uma luta sem armas. A nossa era a palavra. Tal como Ghandi, na India, vencemos. As multidões foram para as ruas em protesto. As forças de repressão nada puderam fazer. Quantas vezes eu estive com uma metralhadora apontada para o meu peito? O soldado me olhava fixamente. Esperava só o grito: fogo! E eu não estaria aqui contando esta história. Mas os títeres teriam caido mais depressa. A um povo decidido não existe a força do canhão. A história da humanidade mostra isto em várias oportunidades. Lembro-me de, certa vez, em uma de nossas passeatas, chegamos à porta do palácio da Liberdade. Nome supimpa! Os soldados aguardavam a ordem e nós começamos a cantar o hino nacional. Haveriam umas 50 mil pessoas em silêncio. Muitos , entre estes eu, com uma vela acesa iluminando as trevas da ditadura. Quando irrompeu o Hino os soldados ficaram perplexos. Aprenderam que, diante do Hino tinha que se perfilar. O povo perfilou-se. Alguns soldados fizeram o mesmo. Outros ficaram olhando ansiosos para o oficial.Todo mundo chorando. Soldados também. O Comando mandou que os soldados voltassem aos quartéis. Nós nos retiramos cantando outros hinos. Entre estes, a Internacional Socialista. Dá prá imaginar, com toda aquela carga emocional, um coro de 50 mil vozes? Foi maravilhoso.

sábado, 3 de outubro de 2009

Mudança de rumo

Fui visitar a minha mãe porque ela me falou que havia se mudado. Mudou sim: do muito ruim para o pior ainda. Deus atuou para evitar que a minha irmã, uma moça bonita, ainda não estivesse no meretrício. Os visinhos de minha mãe eram os piores possíveis. Não havia higiene nem escrúpulo. Os homens passavam em frente do "quarto" cortinado vestidos só de cuecas samba-canção. As mulheres de calcinha transparente e sutien idem. O fedor de urina, fezes, outras coisas inomináveis, impestavam o ar. E eu dava dinheiro para uma situação bem melhor.A minha mãe certamente o gastava com besteiras pois, a sua mente doente, não via valor em morar com dignidadde. Não me restava outra decisão.Teria que deixar a Renascença para viver com elas. Levá-las para lá era impensável. Já havíamos morado lá, num quarto de porão , quando eu tinha 5 anos. Não queria reviver aqueles tempos. As pessoas não esquecem. Por maldade ou ingenuidade podem se lembrar inconvenientemente. Resolvi alugar uma casa no bairro Pompéia e levá-las comigo para lá. A minha mãe não gostou da idéia.Preferia morar num cortiço, no centro, do que numa casa confortável no bairro. Com o dinheiro que o meu pai foi obrigado a depositar na justiça, ela comprou um barraco, humilde mas, habitável, no bairro Saudade, próximo à casa que eu estava alugando. Eu não queria morar no barraco. A minha mãe também. Por razões diferentes. O barracão exigia reformas. Não havia dinheiro para isto. Foi alugado por uma micharia, só para não ficar desabitado.E fomos morar no bairro Barro Preto. É um bairro central. Tem todos os requisitos necessários para um morador. Mas, sendo um bairro de gente rica, o que iria fazer lá uma trinca de pobretões?Ficamos deslocados. Mas, como há males que vem para bem, consegui um emprego na Cia. de Cigarros Souza Cruz para ganhar o dobro do que ganhava na Singer.Esta empresa ficava atrás da nossa morada.Como funcionário de uma multinacional passei a ser visto com simpatia pelos nossos visinhos. Não a minha mãe. Ela continuava com o seu recalque contra tudo e todos.Brigava com os visinhos injustamente. Eu, constatando isto, negava-lhe apoio nas suas desavenças. Ela me odiou por isto. Tudo fez para me desmoralizar até perante os meus superiores no emprego. Escrevia cartas anônimas e assinadas. Acusava-me de coisas horríveis. Fiz o concurso do Bco. do Brasil. Estudei feito um louco. Durante dias não tive lazer. Só estudava. Fiz as provas e fui sendo aprovado. Passei por todas as eliminatórias.Fiquei esperando , ansioso, o resultado.Que não vi.Esta pasagem é tão sórdida que abrirei um capítulo só para contá-la. Se passasse, eu planejava sair de casa. Iria seguir a minha vida sem esquecer a minha mãe e irmã. Pagaria tudo que elas gastassem para sobreviver mas, distante delas. Só soube das cartas quando o meu chefe me chamou e, aborrecido, perguntou: você tem certeza que esta senhora é sua mãe?
Percebi que ela tinha se superado na maldade. Perguntei qual era o conteúdo da carta e ele se recusou a dizer. "É melhor que você não saiba". Mas, nada mudou para pior. Muito pelo contrário. Passei a ser visto com mais simpatia e respeito. Porém, politicamente, eu era a favor das reformas de base que o Presidente Jango anunciava. Senti que um golpe estava sendo armado e que talvez haveria luta armada. Em 1961, após a renúncia do Jãnio, em quem havia votado para presidente , aderi o movimento legalista e apoei o Governador Brizola. Fui às ruas com um grupo de amigos. Juntei-me ao povo em protesto contra o golpe. Jango tomou posse como presidente parlamentarista. Apoei depois o retorno do presidencialismo. As reformas são vistas hoje como inadiáveis.Naquele tempo era papo de comunista. Eu nem sabia o que é isto. Estudei o marxismo e simpatizei com a doutrina. Entrei para o Sindicato dos Fumageiros. Era quase uma exigência legal. Quem quisesse aumento de salários e tratamento dígno no local de trabalho tinha que ser sindicalista. Ou aceitar passivamente a injustiça. Nunca aceitei nada passivamente. Quando veio o golpe militar eu estava muito bem na Companhia. Estava sendo preparado para uma promoção muito boa. Não levavam a sério o fato de eu ser sindicalizado. Todos os empregados nos EUA o eram.Os patrões até gostavam de ter um sindicato de empregados para negociar. No sindicato eu era estimado também. Os operários me viam com muita simpatia. Como eu era um moderado isto era bem visto até. Sempre fui um comunista de pés no chão. Contrário a qualquer aventura "porralouca". Luta armada só em último caso. Em 1961 era quase um último caso. Em 1964 parecia que não era. E era. Veio o golpe. Muitos companheiros presos. Fiquei cabreiro. Quando chegará a minha hora? E minha situação piorou muito depois que a minha própria mãe escreveu uma carta me denunciando como comunista e janguista. Fui chamado pela gerência. Disseram-me que sabiam das minhas simpatias mas, tinham certeza de que eu não era um subversivo. Tinha idéias e tão somente. Concordei. Disseram-me que, diante da carta que receberam, haviam autoridades do novo governo querendo a minha cabeça. Mas, resolveriam tudo. Bastava que eu escrevesse uma carta desmetindo .Naquela época alguns fizeram isto. As suas cartas foram usadas para justificar o recrudescimento do regime. Eu perderia tudo, mas não escreveria. Os meus chefes, lamentando muito, me despediram. Sai e para que os compromissos da casa ficassem inabalados , fui à luta e comecei a ser viajante vendedor autônomo. Depois , trabalhei em laboratórios, até entrar para um grande: PFIZER. Ganharia o dobro do que ganhava na Souza Cruz. Aí fiquei doze anos. Até que fosse aposentado por invalidez. Mas, esta é uma outra história.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

As barracas da Igreja

Quem morou na Renascença entre 1955 a 1962, lembra, com certeza, das barracas da igreja Sto. Afonso. Primeiro foram as "Baianas" e "Holandezas". Na primeira , uma baiana abria as suas saias e em baixo, um palco com regional e cantores amadores, às vezes até profissionais,mesas e cadeiras onde as pessoas se sentavam para colaborar com as obras sociais da igreja consumindo salgados, doces, refrigerantes e bebidas alcoólicas. Na outra, disputando com a rival, havia um moinho cujas hélices giravam sem parar. Sob este também um palco , mesas, caldeiras, enfim tudo o que a outra tinha.Era uma disputa acirrada. Eu, matreiro, colaborava com as duas. Coloquei-me como neutro.Eu estava entre os que cantavam . Sempre adorei cantar. Música bonita de qualquer origem. Só tem que ser bonita. As pessoas que ficavam fora das barracas faziam o "footing". Era a paquera. Eu preferia ser fiel às minhas amigas. Ser amigo era muito mais interessante. Não me atava a ninguém . E me ligava a todas. Conheci neste tempo Clara Nunes.Também era uma grande amiga. Linda. Doce. Meiga. Gentil. Tinha todas as qualidades que um homem procura. Mas, ela tinha outros planos. Lembro-me que namorava o Tonho, goleiro do Cruzeiro, muito famoso na época. Era bonitão, alto, forte.E muito bem educado. Não se incomodava com a amizade que eu e a Clara sentíamos um pelo outro. Eu tinha ciumes. Mas, nada poderia exigir. Eu mesmo coloquei estas condições para todas. Ela era muito admirada e eu também. Não sei como o Tonho consentia na nossa amizade. Talvez porque tivesse outros planos de carreira também. E eu e Clara mexíamos com os comentários de todos os conhecidos e desconhecidos também. Passeávamos de mãos dadas .Sentávamos na escada da igreja, quando sem ofício, e ali ficávamos horas a conversar. Havia mais entre nós. Mas, não deixávamos transparecer ou é isto que pensávamos. Mas, a nossa amizade durou até o início da carreira dela como cantora. Ela foi envolvida e não mais a vi pessoalmente. Ouvia-a pelo rádio, mais tarde pela televisão. Certa vez, veio a BH com o Paulo Gracindo. Eu estava trabalhando muito. Quando o espetáculo começava eu estava largando o serviço. Cansado , ia para casa. Eu queria vê-la. A faina não deixava. Ficaram uma semana no Teatro Francisco Nunes. O melhor de BH então. Foram embora e eu não a vi. Na verdade, quando ela se foi para a carreira, sentí-me terrivelmente abandonado. Dividia a Clara com o Tonho, mas, a carreira era muito mais forte do que eu. Ainda bem. Senão, o Brasil teria perdido uma das suas maiores cantoras.Soube depois, pelo Dirceu, que era um apaixonado fan dela desde os nossos tempos de Renascença, que foi procurá-la no Hotel e foi muito bem recebido, que a primeira pergunta que fez foi: Dirceu, por onde anda o Paulo?
E depois pediu a ele para dizer-me que não havia me esquecido e que lamentava eu não ter ido vê-la no Teatro. Fiquei decepcionado comigo mesmo. Nunca me perdoei por ter feito isto, especialmente depois que ela morreu. O Jadir, nosso maestro no Coral da Igreja Santo Afonso, muito amigo até hoje, sempre em contato com ela por ser músico profissional, sempre me trazia notícias dela e suas recomendações. Foi um duro golpe para mim a sua morte. Senti como se fosse alguém de minha família.Até hoje sinto.
Quando ela segiu para a sua carreira, resolvi namorar mesmo. Tive duas Lenitas. A primeira de Juiz de Fora e a segunda de Serro.Namorei outras, mas, estas ficaram na memória. Eu não fui capaz de amá-las com a mesma intensidade que me amaram.Assustei-me com tanto amor. Era um meninão de 19 anos.O casamento me assustava. Mesmo porque eu era arrimo de família.Já estava cuidando da mãe e da irmã. Diziam-me que a minha mãe, que me abandonara com cinco anos na casa de extranhos, não merecia tamanho esforço. Mas, a idéia de vê-las mendigando ou minha irmã prostituindo para não morrer de fome me apavorava.E a minha mãe não fazia cerimônia. Ia atrás de mim sempre que precisava. Ficava pelas esquinas me esperando. Não descançava enquanto eu não lhe desse o que queria:o meu dinheiro., E eu dava. Dava quase tudo que me sobrava. Ela nunca mais passou fome nem dormiu ao relento. Foi duríssima comigo. Parecia me odiar. Talvez julgasse que eu era seu inimigo. Não acreditava que, depois do que me fez, eu pudesse lhe querer bem. Eu nunca a odiei. Nem quando eu sofria na mão dos meus carrascos. Ela me fez passar também por maus momentos.Considero-os piores por terem sido protagonizados por minha própria mãe. Ela ficou neurótica com o sofrimento. Não conseguia amar a mais ninguém. Julgava que todos a odiavam da mesma forma. Especialmente eu. Não era verdade. Nunca a amei. Nunca a odiei.Por mais odiosa que fosse. Eu tinha muita pena dela.Mas, esta é uma outra história. Nem sei se vale apena contar. É muito doloroso para mim.